Uma pesquisa exclusiva mostra que 56% dos jovens brasileiros não acreditam nos políticos. Mas 41% aceitariam se candidatar. O que eles pensam e quais são suas causas.
O filósofo e orador romano Cícero dizia que a idade aperfeiçoa “a paciência, a autoridade e a ponderação”, qualidades necessárias para administrar os assuntos graves. Seu pensamento reflete a visão predominante em seu tempo. Na Roma Antiga, as decisões mais importantes eram tomadas pelo Conselho dos Anciãos, formado pelos mais velhos. Surgia então o Senado que conhecemos até hoje, cujo nome vem do latim senex, que significa idoso. A média de idade dos senadores brasileiros, 58 anos, mostra que a política permanece, em grande parte, uma atividade para os mais velhos. Mas a ausência de jovens nas esferas mais altas do poder público do país não significa que eles estejam alienados da política. Uma pesquisa exclusiva feita por ÉPOCA em parceria com a Retrato Pesquisa de Opinião e Mercado traz uma surpresa positiva sobre a relação da nova geração com o poder. Feita em dez capitais brasileiras (Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo), ela ouviu 990 adolescentes entre 16 e 18 anos de escolas públicas e privadas. Os dados revelam que os adolescentes não estão nos partidos, mas fazem política em seu dia a dia. Metade deles já aderiu a uma causa pela internet. Estão descontentes com as formas tradicionais de representação, mas acreditam que é possível mudar a realidade se cada um fizer sua parte. Dois em cada cinco topariam seguir uma carreira política, se surgisse a oportunidade.
“Os resultados quebram o mito de que os adolescentes não gostam de política”, diz a socióloga Miriam Abramovay, autora de vários livros sobre política e juventude. Eles apenas a veem de uma maneira menos formal e mais pragmática. “A geração atual está menos ligada aos meios e às formas e mais ligada aos fins e aos propósitos”, diz Germano Guimarães, fundador do Instituto Tellus, uma organização sem fins lucrativos que pretende aproximar o governo da sociedade. “É um pessoal muito mão na massa.” Parte dessa turma está engajada, como organizador ou apoiador, nos protestos que vêm sendo organizados pela internet. Eles surgiram espontaneamente no feriado de 7 de setembro, como forma de manifestar a insatisfação popular com a impunidade diante da sequência de casos de corrupção no governo e no Congresso. Agora, essa juventude mostrará seu rosto nas manifestações públicas, agendadas para o dia 12 de outubro em várias capitais do país (leia a reportagem).
A estudante Inaê Iabel Barbosa, de 16 anos, de Porto Alegre, é um exemplo dessa nova postura juvenil. Por causa de sua liderança na escola, ela já se acostumou a ouvir sugestões da família para se candidatar a vereadora. Mas não está esperando ter um cargo para mudar a realidade a sua volta. Vice-presidente do grêmio do Colégio Marista, a adolescente já pode comemorar uma vitória política: conseguiu baixar os preços na cantina da escola. “O que fazemos em nosso cotidiano não deixa de ser política”, diz. Para 92% dos adolescentes, política é discutir assuntos que mexem com a vida de cada um e da comunidade. “A relação com partidos políticos não é indicador de interesse pela política ou até mesmo de engajamento para esta geração”, diz o economista Sérgio Braga, diretor da Retrato.
Segundo a pesquisa ÉPOCA/Retrato, a maioria dos jovens – 52% – não tem um partido de sua preferência e 56% dizem que a descrença é o principal sentimento em relação aos políticos. A má imagem dos partidos torna difícil atrair os jovens. Apenas 1% disse ser filiado a algum. “Toda vez que a gente vai conversar com um jovem e fala que está em um partido, ele já pensa em corrupção”, diz Paulo Mathias, presidente da juventude do PSDB em São Paulo. Para Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política, existe uma crise de representação. “Os partidos são muito fechados e dominados por oligarquias.” É por isso que o técnico em refrigeração Edinaldo de Oliveira, de 19 anos, de Guajará-Mirim, Rondônia, tem dificuldade de fazer as pessoas acreditarem que ele um dia ainda vai ocupar um cargo eletivo. “Todo mundo tem a impressão de que nunca vai dar certo, porque não tem ninguém da família na política”, diz. Mas ele não desiste e usa o pragmatismo para vencer as barreiras. Indagado sobre o que fará na prática para conseguir ser um político, responde: “Vou ter de fazer coligação, né?”. Desde que, faz questão de destacar, o compromisso esteja dentro da ética.
Os poucos que se filiam em geral enfrentam dificuldades para ser ouvidos. “Muitos partidos acham que os jovens só servem para segurar bandeira e colar adesivo”, diz Ângela Santos Guimarães, secretária adjunta da Secretaria Nacional de Juventude, órgão criado em 2005 para ampliar a representação política dessa faixa da população. Para aumentar a participação dos mais jovens em todas as esferas, o PT decidiu em seu último congresso, em setembro, reservar para eles 20% dos postos de direção. A formação da juventude é uma das causas do partido há décadas e, em alguns lugares do país, até 40% dos candidatos têm até 30 anos. “Escolhi o PT porque era onde a juventude tinha mais espaço na pauta”, diz o estudante de administração Demétrio César Xavier, de 19 anos, de Guarulhos, município da Grande São Paulo. Ele se filiou ao partido há três anos. Diz que pesquisou a agenda de outros 15 antes de decidir. Assim como Demétrio, muitos outros jovens poderiam ter uma relação mais próxima com os partidos, que desperdiçam um grande potencial de simpatizantes. Embora não se identifiquem com nenhuma legenda, 41% dos jovens entrevistados não descartam seguir carreira política. “Isso é um puxão de orelha nos partidos políticos, que estão perdendo uma grande oportunidade de atrair esse público”, diz o cientista político Fernando Abrucio, colunista de ÉPOCA. Para ele, os líderes políticos têm de fazer mais que entrar no Twitter para atrair os mais novos. Precisam abrir um espaço real dentro dos partidos para acolhê-los.
Os resultados da pesquisa revelam que os jovens de hoje estão mais abertos para esse diálogo do que os partidos imaginam. Eles são menos radicais em suas crenças. A maioria reconhece que nem todo político é ladrão e acredita que pessoas honestas podem, sim, entrar para a política. Também reconhecem que o poder é capaz de corromper, mas não consideram a tentação inescapável. Quando Kamila Schass, de 16 anos, de Blumenau, em Santa Catarina, foi presidente da Câmara de Vereadores Mirins, em 2008, descobriu que a política pode ser boa. “A gente só vê coisa ruim na televisão, mas, quando chega perto, percebe que é diferente”, afirma. Para Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia política da Universidade de São Paulo (USP), o pragmatismo com que o jovem atual vê a política tem um caráter positivo. “Ele ajuda os jovens a ver as coisas como realmente são”, diz. E, ao conseguir enxergar a sociedade de forma mais realista, eles têm mais clareza de como podem agir para mudá-la. Um indício da visão prática desses jovens são seus ídolos. A maioria diz que admira lideranças contemporâneas, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, a presidente Dilma e a ex-candidata Marina Silva. Muitos destacam familiares e amigos. Citam esses nomes ao lado dos ícones clássicos, como Dalai-Lama e Che Guevara. “O jovem não espera mais um mártir que virá para salvar a todos”, diz o sociólogo Gabriel Milanez, da empresa de pesquisa Box 1824. “Os heróis estão no cotidiano.”
Além de visão pragmática da política, os jovens também se mostram inclinados a agir dessa forma. Eles julgam nas atitudes individuais. De acordo com a pesquisa ÉPOCA/Retrato, 46% dos adolescentes julgam que a melhor forma de transformar a sociedade é cada um fazendo sua parte. Em segundo lugar, com 24%, vem votar de maneira consciente; em terceiro, com 16%, organizar grupos em torno de causas; e, em quarto, com 9%, fazer protestos. A valorização da postura pessoal reflete-se na forma de engajamento dos jovens de hoje. Enquanto 24% dizem já ter participado de alguma manifestação, 39% afirmam já ter feito algum tipo de trabalho voluntário. O resultado concreto desse voluntariado é um incentivo para os adolescentes. Quando percebem que suas ações trazem resultados positivos, eles têm ainda mais vontade de agir. Isso os leva gradativamente a buscar entidades com maior alcance. A jovem Ana Carolina Moraes, de 18 anos, de Campinas, interior de São Paulo, acredita no poder transformador da cultura e, por isso, decidiu juntar-se ao Coletivo Ajuntaê. Trata-se de um movimento ligado ao Circuito Fora do Eixo, que incentiva atividades culturais com viés político em vários lugares do país. Por meio de shows, debates e outros eventos, ela pretende difundir a cultura política. “A política é a gente que faz, onde quer que esteja”, diz Ana Carolina. Esse engajamento é saudado por Janine Ribeiro, da USP. Segundo ele, essa geração acredita que mesmo uma ação localizada e individual pode fazer alguma diferença diante de grandes problemas que a aflige, como a desigualdade, a má educação ou a destruição ambiental. “As outras gerações se perguntavam ‘de que adianta’ diante do desafio. Agora, valorizam mais a ação”, afirma.
Dar mais valor à iniciativa individual também traz seus riscos. “A ação individual é importante como postura ética”, diz Aldo Fornazieri. “Mas, para fazer mudanças políticas e econômicas, é necessário haver organizações políticas que deem consequência e continuidade ao movimento.” Sem isso, essas iniciativas correm o risco de ser tão efêmeras quanto um modismo na internet. As ferramentas como o Twitter e o Facebook podem ser o início da atividade política, pois ajudam a mobilizar pessoas em torno de uma causa. Mas, por si, são incapazes de promover mudanças políticas. A experiência do mineiro Marcel Beghini, de 19 anos, mostra isso. Como estudante de jornalismo, ele comentava as principais notícias do dia no Twitter. Acabou chamando a atenção do PSDB. Gabriel Azevedo, secretário de comunicação da Juventude Tucana, convidou Marcel a juntar-se à Turma do Chapéu, um grupo jovem do partido. Hoje, Beghini trabalha no partido para levar aos outros estudantes, pessoalmente ou por internet, e de forma mais palatável, a política. Na campanha do então candidato Antonio Anastasia para o governo mineiro, o grupo de Beghini fez e postou vídeos bem-humorados no YouTube.
O caminho para agradar ao paladar juvenil é trazer as grandes causas do país para os assuntos que interessam aos jovens diretamente. O tema que mais os mobiliza, segundo a pesquisa ÉPOCA/Retrato, é a educação. Para os jovens, melhorar a qualidade do ensino deve ser a prioridade do Brasil. Essa é a bandeira dos universitários Patrícia Matos e Tiago Martins, ambos de 18 anos. Como presidente do grêmio no colégio público Elefante Branco, Patrícia convocou protestos para melhorar as condições de ensino. Ela e seus colegas reivindicavam que o passe de estudante para os ônibus valesse para todos os alunos, e não só para algumas faixas de renda. Também queriam participar da gestão da escola, criando comitês para decidir assuntos cotidianos ou votar o orçamento. O passe democrático eles conseguiram. A ideia dos comitês virou um projeto de lei, encampado por uma deputada do DF e ainda não votado. A partir dessa experiência, Patrícia percebeu que, para conseguir maiores ganhos, precisava partir para o movimento estudantil em âmbito nacional, e entrou para a ala jovem do PCdoB. Martins, quando estudava no ensino médio, conseguiu que sua escola aplicasse simulados para o Enem. Isso melhorou a preparação dele e de seus colegas para o exame. Foi bom para ele. Com boa nota no Enem, conseguiu uma vaga disputada na Universidade Federal Fluminense. E um ganho para todos os seus colegas. “Essa preocupação com a educação tem de ser comemorada, porque tem potencial de melhorar o Brasil”, afirma Abrucio. Se conseguirem melhorias consistentes nesse setor, os jovens atuais têm tudo para deixar para a próxima geração um legado mais otimista do que receberam.
As boas intenções expressas por esses jovens não significam, necessariamente, que vem por aí uma turma mais íntegra que a geração atual que povoa os gabinetes do Executivo e as cadeiras legislativas em todas as instâncias do país. A experiência mostra como pessoas com belos discursos na juventude ou no início da carreira política lidaram com as tentações do poder. José Dirceu, o líder estudantil dos anos 1960 que mobilizava os jovens contra a ditadura, tornou-se, nos anos 2000, o ministro afastado sob acusações de ser o mentor do mensalão, esquema de compra de votos no Congresso. Lindenberg Farias, o cara-pintada que virou símbolo dos protestos que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, no início dos anos 1990, tornou-se um prefeito fiscalizado por irregularidades e seus bens chegaram a ser bloqueados pela Justiça. “Essa geração tem ideário e informação para entrar na política de forma diferente”, diz Abrucio. “Mas é difícil prever se vão conseguir de fato mudar.” Eles têm o potencial, mas vão ter de vencer as barreiras das elites partidárias e manter-se imunes aos vícios do atual jogo político. No Brasil, a máquina política envolve mais de meio milhão de pessoas. São 64 mil em cargos eletivos, do presidente ao vereador. Mais 250 mil incluindo assessores e secretários. E 380 mil candidatos a prefeito e vereador. Só o futuro dirá se jovens como Ana Carolina Moraes, Demétrio César Xavier, Edinaldo de Oliveira, Inaê Iabel Barbosa, Kamila Schass, Marcel Beghini, Patricia Matos e Tiago Martins mudarão as regras desse amplo clube do poder – ou se renderão a elas.
FONTE; Autor(es): LETÍCIA SORG E ANGELA PINHO Época - 10/10/2011
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